Texto por: Guilherme Stutz – em seu blog GRAVITARE
Em Êxodo 15 vemos Moisés e o povo cantando a Deus após terem sido libertos das garras do Faraó e de uma longa história de opressão sob as mãos pesadas dos egípcios. Esse texto é exaustivamente usado em seminários de louvor e adoração nas igrejas, como a utilização da música dentro do “gueto” gospel.
A tristeza é que usá-lo dessa maneira é celebrar a libertação de um povo, aprisionando-o novamente a outros termos.
Acho o texto um excelente exemplo para pensarmos a música e as artes enquanto cristãos. Não seria um aprisionamento pensarmos a música a partir de Moisés? Não seria esdrúxulo pensar que os egípcios não cantavam? Que Israel não cantava enquanto escravos?
Com criatividade e com um pouco de humanidade, consigo imaginar que o que Deus ouviu do povo em parte era cantado. Não um cântico explícito do tipo “Senhor, eu estou precisando de você”, mas as vozes da dor e da injustiça que cantaram, como o som do sangue de Abel, em coro derramado sobre a terra.
No contexto do cântico, cantaram sobre o que viram e sob a ótica de personagens-expectadores da história. Pense no que cantaram: cantaram com alegria sobre a morte por afogamento dos inimigos, cantaram com alegria sobre o furor que depedaçou o inimigo. Cantaram com música influenciada, sincretizada: melodia e ritmo e instrumentos casados com uma cultura (egípcia) que há muitas gerações havia os acolhido.
Moises e o povo cantaram porque esta é expressão cultural do homem. Os egípcios, neste epsiódio, devem ter cantado a dor e, espera-se, o arrependimento. Cantamos porque estamos circunscritos na existência, na história, nosso ser expressa nossa existência, nossa condição, nossa construção…
Qualquer movimento que tenta legitimizar um uso específico das artes para dentro do ambiente eclesiológico, na minha opinião, atrai para si críticas que devem ser consideradas. A sacralização da expressão é a libertação de sua existência instrinseca ao homem e não o aprisionamento do homem à sua expressão.
Preferimos acreditar cegamente e de forma fundamentalista na poesia que diz que “as estrelas cantam” do que crer que a arte é sacra porque Deus a derramou no ser ser-humano.
“Liberdade, liberdade. Abre as asas sobre nós…”