Por Marco Faria
Disciplina: esta palavra é carregada de ideias em nosso imaginário. É muito comum nos conectarmos apenas ao seu sentido verbal que se relaciona ao castigo, à punição, às restrições. Esta é uma das acepções no português e facilmente vamos encontrar nos dicionários sinônimos como castigar, corrigir, submeter, sujeitar. Reunindo, assim, um peso a ela que mais nos amedronta e nos distancia do seu sentido verdadeiro e honesto. Com verdadeiro e honesto quero me referir a um sentido amplo tal como é o seu conceito.
É comum nos restringirmos a alguns sentidos e nos privarmos de toda a extensão de um conceito ou ideia, apesar de que não tenho qualquer pretensão de esgotar os diversos sentidos e significados que podemos atribuir e apreender da palavra disciplina. Pretendo mais refletir sobre as implicações de alguma das compreensões possíveis à ideia de disciplina.
A palavra disciplina tem o mesmo radical latino que a palavra discípulo, do verbo discere, aprender. Logo discípulo é aquele que aprende e disciplina é aquilo a ser aprendido. Então, o sentido que gostaria de refletir acerca da disciplina está mais para o ensino para a instrução que para o castigo e punição que nos causa tanto medo.
Gostaria de olhar para um texto bíblico que tem muito a nos ensinar sobre o quanto Deus tem interesse em disciplinar-nos. Em muitas versões, esse texto traz a palavra castigo no sentido de disciplina, já na NVI temos o seguinte em Apocalipse 3.19, “Repreendo e disciplino aqueles que amo. Por isso, seja diligente e arrependa.”
Relembrando, esse texto faz parte da carta à igreja de Laodiceia onde Deus os adverte sobre sua mornidão e orgulho, sobre sua arrogância e independência de Deus tendo assim uma falsa compreensão sobre si mesmos. Deus aconselha aos irmãos de Laodiceia a voltar para ele reconhecendo a miséria, pobreza, nudez e cegueira que os acometiam. Argumenta, então, sobre a razão de seus conselhos, que podem aparentar um tanto severo, “repreendo (aconselho, advirto, relembro, aviso) e disciplino (ensino, instruo, mostro o caminho, apresento o jeito certo) aqueles que amo.”
Deus sempre vai ensinar o caminho certo para aqueles que ele ama. É interessante notar que ao mostrar os erros do povo de Laodicéia, Deus não encerra ali, ele vem e aponta o caminho correto, o jeito certo de fazer as coisas. Ele repreende e disciplina. Ao chamar nossa atenção ele nos aponta o jeito correto que deveríamos agir, ou o modo que corrigiremos as coisas em que erramos.
Agora, seguindo um pouco adiante no texto, temos um versículo que é bastante utilizado e conhecido, “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele e ele comigo.” E acredito que esse é um texto autoexplicativo, principalmente considerando o sentido da palavra disciplina. Parece que o autor ilustra o conceito apresentado anteriormente de um modo bastante simples para aqueles que leriam aquela carta.
O ‘bater à porta’ é a imagem do chamar a atenção, que no texto é equiparada à voz do Senhor, que dentro do contexto é o conselho, a repreensão, o aviso e ensino de Deus ao seu povo. O ‘abrir a porta’ é a imagem do agir correto, do voltar-se ao conselho de Deus, de fazer o que se tem aprendido, é a disciplina. Se ao ouvir seu aviso e seu ensino, eu demonstrar que tenho aprendido a lição, mais aprenderei de Deus e desfrutarei dele e ele de mim.
Corresponder aos ensinos de Deus me torna agradável a ele. E me torna agradado, satisfeito por ele e dele. Disciplina não é apenas o que é aprendido, mas é o resultado da interação daquele que aprende com aquele que ensina. Só é possível aprender com aquele e daquele que ensina. Ser discípulo  ou seja, aquele que aprende é voltar-se para o ensinado e realizá-lo, cumprí-lo. É voltar-se para o mestre (quem ensina, pois o que é ensinado é ensinado por alguém) e aprender, e fazer do jeito que o mestre ensinou.
O mestre é aquele que passou pelas situações, aprendeu delas e passa a demonstrar aos outros o que se deve aprender em cada situação e como aprender delas.
A satisfação do mestre é que seu discípulo seja igual a ele e o ultrapasse. Isto demonstra que o que foi ensinado foi aprendido corretamente. A satisfação do discípulo é ser igual ao mestre, o que lhe demonstra que alcançou o mesmo patamar, o mesmo nível e é capaz de realizar tudo que o mestre realizou.
Quando penso sobre disciplina preciso compreender esse relacionamento que Deus me convida a desfrutar com ele. Uma relação de mestre e discípulo que intenciona mostrar o caminho e não apenas de nos julgar e condenar, nos apontando como incapazes e incorretos. Assim, as disciplinas espirituais como orar, meditar, adorar, jejuar, interceder, ler a bíblia e etc, tem como princípio nos ensinar algo sobre o próprio Deus, seu reino, sobre nossa vida e nossa relação com ele e com o mundo.
E ainda nas nossas comunidades, devíamos sempre considerar a disciplina como um caminho para aprender mais de Deus e mais de nós mesmos. E ao invés de nos amedrontarmos a desejarmos como ensino sólido para nosso crescimento e desenvolvimento nessa estrada que é vivermos e convivermos juntos no reino de Deus.