Na 2ª parte deste estudo(para ler a 1ª parte, acesse aqui), o autor nos mostra como o movimento protestante só aconteceu graças ao movimento dos monastérios, e como este foi uma adaptação de um modelo pagão (ou secular). Ralph Winters também explica a diferença entre as duas estruturas, a que hoje conhecemos como igreja (modalidade) e a que conhecemos como missão (sodalidade).

O texto abaixo é o segundo de uma série sobre as duas estruturas, igreja e missão, suas funções e sua importância na história. Estes textos foram escritos por Ralph D. Winters falecido professor de Missões do Fuller Theological Seminary, no estudo chamado “Two Structures of God’s Redemptive Mission”.

O desenvolvimento inicial de estruturas cristãs dentro da cultura romana.

Anteriormente, na 1ª Parte deste estudo, Nós vimos como o movimento cristão se formou baseado em dois tipos diferentes de estruturas que já existiam antes, na tradição cultura judaica. Agora devemos verificar se estas estruturas tinham algum equivalente funcional em outras tradições culturais de outras épocas, conforme o evangelho se espalhou para outras regiões.

É claro que o padrão original baseado nas sinagogas perdurou como uma estrutura cristã por algum tempo. Mas, a rivalidade entre cristãos e judeus fez com que os cristãos fossem perseguidos, e em alguns casos expulsos, especialmente aonde era possível que os judeus dispersos perseguissem publicamente as sinagogas cristãs, como se estes fossem uns desviados. Diferentemente dos judeus, os cristãos não tinham uma permissão oficial do Império Romano para sua alternativa ao culto Imperial Romano. Por isso, enquanto cada sinagoga era considerada independente uma da outra, o padrão cristão foi logo assimilado ao contexto romano, e os bispos logo se tornaram investidos de autoridade sobre mais de uma congregação dentro de uma jurisdição territorial, bem similar ao padrão de governo civil dos Romanos. Esta tendência fica clara quando o Cristianismo se torna a religião oficial, anos depois: a própria palavra em latim para territórios magisteriais romanos foi apropriada – o termo diocese – para definir os níveis de locais das paróquias.

De qualquer forma, enquanto o padrão mais “congregacional” da sinagoga independente foi sendo subtituído por um padrão “conectivo” romano, a nova igreja cristã ainda preservava a constuição básica da sinagoga, ou seja, a combinação de velhos e jovens, homens e mulheres – um organismo que se renova biológicamente.

Enquanto isso, a tradição monástica se desenvolveu como uma segunda estrutura de diversas formas. Esta nova estrutura se espalhou amplamente e sem sombra de dúvidas não tinha nenhuma conexão com a equipe missionária na qual Paulo estava envolvido.

De fato, os monastérios são claramente baseados na estrutura militar romana. Pachomius, um ex-militar romano, ganhou 3 mil seguidores e atraiu a atenção de pessoas como Basílio de Cesaréia e através de Basílio, atraiu João Cássio, que trabalhou no sul da Gália (atual França) numa data futura.  Estes homens promoveram uma estrutura disciplinada, copiada principalmente dos militares, que dava aos cristãos nominais uma possibilidade de fazer uma escolha de segundo nível – um compromisso adicional específico.

Talvez eu deva dar uma pausa aqui por um momento. Qualquer referência a monastério dá aos protestantes um choque cultural. A reforma protestante lutou desesperadamente contra certas condições degradantes ao final da Era Medieval. Não tenho nenhuma intenção de negar o fato que as condições nos monastérios nem sempre eram ideais; o que um protestante leigo sabe sobre monastérios pode até ser correto em algumas situações, mas certamente um protestante leigo não pode descrever com precisão o que aconteceu durante todos os 1000 anos da Idade Média! Durante estes séculos, houve diversas eras e épocas diferentes e vários movimentos monásticos, radicalmente diferentes uns dos outros, como veremos logo adiante. Portanto, qualquer generalização sobre um fenômeno tão vasto é imprecisa e pode até ser uma caricatura preconceituosa.

Vou exemplificar como alguns estereótipos protestantes podem ser errôneos: frequentemente ouvimos que os monges “se excluiam do mundo”. Compare esta idéia à descrição que um missionário batista faz: A Ordem Beneditina e as muitas que derivam dela provavelmente ajudaram a dar dignidade ao trabalho, inclusive ao trabalho manual nos campos. Este era um contraste enorme com a aristocracia, que julgava que o trabalho manual era algo servil, algo que prevalecia muito na sociedade antiga e era inclusive uma idéia dos guerreiros e também dos oficiais eclesiásticos não-monásticos que eram das classes médias-altas da Era Medieval… devemos aos monastérios muitos métodos agrícolas e de cultivar a terra. Entre os bárbaros, os monastérios eram centros de ordem e organização e os monges tinham a tarefa de construir e reparar estradas. Até o surgimento de cidades no século onze, eles foram os pioneiros na indústria e comércio. As oficinas dos monastérios preservaram a indústria dos tempos Romanos… o uso de calcário como adubo para o solo pela primeira vez na história é atribuido a eles. As grandes ordens monásticas francesas lideraram a colonização agrícola da Europa Ocidental. Especialmente os Cistércios que faziam de suas casas verdadeiros centros agrícolas e contribuíram para melhorar esta ocupação. Com seus irmãos leigos e seus empregados contratados, eles se tornaram grandes proprietários de terras. Na Hungria e na fronteira alemâ, os Cistércios foram uma peça importante no cultivo do solo e na colonização. Também na Polônia, os monastérios alemães estabeleceram padrões avançados na agricultura e introduziram artesãos e especialistas.  (…)

À partir deste pensamento, este segundo tipo de estrutura era altamente significativo para o crescimento e desenvolvimento do movimento cristão.

Apesar dos protestantes terem um preconceito em relação aos monastérios por várias razões, como vimos, não há como negar que se não fosse pelos monastérios, seria difícil imaginar a continuidade vital da tradição cristã pelos séculos. Os protestantes também são um tanto temerosos em relação a outra estrurura – a estrutura paroquial e diocesiana.

De fato, é a fraqueza relativa e a nominalidade da estrutura diocesiana que torna a estrutura monástica tão importante. Homens como Jerônimo e Agostinho, por exemplo são considerados pelos protestantes não como monges, mas como grandes teólogos; e pessoas como João Calvino se apoiaram amplamente sobre os escritos produzidos por tais monges. Mas os protestantes normalmente não dão nenhum crédito à estrutura específica em que Jerônimo e Agostinho e muitos outros teólogos monásticos trabalharam, uma estrutura tão importante, que se não tivesse existido, não haveria nenhuma base para as obras protestantes se embasarem, nem mesmo haveria uma Bíblia.

Devemos agora seguir a história no próximo período, aonde veremos o surgimento formal das principais estruturas monásticas.

É importante notar que já no quarto século há dois tipos bem diferentes de estruturas – a diocese e o monastério – ambas foram importantes para a transmissão e expansão do cristianismo. Ambas as estruturas copiaram padrões do contexto cultural  de sua época, assim como as primeiras sinagogas cristãs e equipes missionárias. É importante também notar que enquanto estas duas estruturas são formalmente diferentes e históricamente separadas em relação às duas estruturas na época do Novo Testamento, elas são em essência as mesmas em funcionalidade. Para poder falar sobre as similaridades na função, vamos chamar a sinagoga e a diocese de “modalidade”, e a equipe missionária e o monastério de “sodalidade”. Em outro artigo eu desenvolvi estes termos em detalhes, mas em poucas palavras, uma modalidade é uma comunidade estruturada na qual não há distinção de sexo ou idade, enquanto uma sodalidade é uma comunidade estruturada na qual a membresia envolve uma segunda decisão além da membresia da modalidade, e é limitada por idade, sexo ou estado civil. Usando estes termos desta forma, a denominação e a congregação local são modalidades enquanto uma agência missionária ou um grupo de homens local são sodalidades. Um exemplo paralelo para esclarecer: uma cidade (modalidade) comparada com um negócio privado (sodalidade) – talvez uma rede de lojas que se encontram em muitas cidades. As sodalidades normalmente estão sujeitas à autoridade das estruturas mais gerais. Elas são “reguladas” mas não “administradas” pelas modalidades. Existe uma forma de socialismo de estado aonde não há iniciativas privadas reguladas e descentralizadas. Algumas tradições denominacionais, como a Romana e a Anglicana, permitem tais iniciativas. Muitas denominações protestantes, usando a deixa de Lutero que rejeitou as sodalidades de seu tempo, tentam governar tudo à partir de um escritório denominacional. Algumas congregações locais não podem compreender o valor ou a necessidade de estruturas missionárias. Paulo foi “enviado para fora” e não “enviado à partir da congregação”, em Antioquia.

Ele pode até ter enviado relatórios para a congregação mas ele não recebia ordens dela. Sua equipe missionária (sodalidade) tinha toda a autonomia e autoridade de uma “congregação viajante”. Mas, no primeiro período após as páginas da Bíblia, houve pouco relacionamento entre modalidade e sodalidade, enquanto que no tempo de Paulo sua equipe missionária nutriu especificamente as congregações – uma parceria muito importante. Nós devemos olhar agora como o período medieval recuperou em essência o relacionamento do Novo Testamento entre modalidade e sodalidade.

(a ser continuado)
Na próxima parte do estudo, o autor desenvolve como as duas estruturas devem trabalhar juntas em cooperação e ilustra com exemplos históricos como a existência das duas foi essencial para a Cristandade.