Por mais líquida que a sociedade pareça ser, e por mais desprendimento das tradições e do passado, gerações atuais e futuras pareçam ter, não há quem não busque segurança. Ninguém sente-se bem vivendo à deriva. Ainda que aventureiro, o ser humano busca ter um mínimo controle das coisas a sua volta.
Agostinho defende, segundo James K. A. Smith, que a confiança é o oxigênio da sociedade humana.
De repente passamos a conviver com as “fake news”, ou seja, notícias que são publicadas com formato de verdade. Elas, somadas as notícias de fato reais, mas com viés totalmente parcial, são responsáveis por boa parte do estado de ansiedade, incerteza, engano , no qual se encontra a sociedade. Pois a cada nova narrativa, precisamos conferir, e vamos ao cansaço mental extremo tentando descobrir o que é real, e decidir sempre assumindo o risco, a respeito do que acreditar.
Quando João inicia sua primeira carta, que está na bíblia, ele parece entender como necessidade dos destinatários, uma solidez, ou, como que relembrando no que baseia-se a realidade que eles optaram por viver. Claramente uma carta para cristãos, para uma igreja. Portanto João, basicamente diz: não por algo que surgiu ontem, não por algo passageiro, não por algo questionável: mas tudo o que vivemos está de acordo com:
“o que era desde o princípio” – algo bem antigo, que não mudou
“o que temos ouvido, o que temos visto com nossos próprios olhos” – fato acontecido, algo real, testemunhado por mais de uma pessoa
“o que contemplamos” – causou reflexão, foi presenciado
“e as nossas mãos apalparam” – reafirmação de algo real, não imaginado, não inventado: algo vivido fisicamente
“com respeito ao Verbo da vida” – objeto que causou o fato presente na narrativa, da qual ele está falando
O mesmo João, autor também de um dos quatro evangelhos – base da fé cristã por contar biograficamente sobre a vida de Jesus Cristo encarnado – inicia o seu dizendo que “no princípio era o Verbo”. Isso dá sustentação ao conteúdo de sua carta, em que ele recupera esta realidade sobre Jesus, como sendo o Verbo, que é a palavra em ação. Originalmente como “Logos”, Verbo não se trata apenas de uma expressão gramatical, mas de um conceito valioso para os leitores da época. Logos, para os gregos, se refere a um conjunto ordenado de leis que regem o universo, é uma inteligência cósmica e ativa, é a ação transformadora e ordenadora sobre a realidade, é a causa do mundo, a explicação da origem e funcionamento do mundo.
Portanto João usa logos para que a audiência da época pudesse compreender a dimensão do que ele estava falando. Com o decorrer do texto, fica clara a referência do logos – verbo, palavra a Jesus Cristo. O texto atribui claramente a criação, a luz e a vida ao Verbo (sempre assim, com letra maiúscula). João compreende a importância da palavra naquele contexto.
Em nosso português, o verbo é a palavra que define uma ação, como “andar, correr, fazer, falar”. Se olhamos para Gênesis e a descrição da criação de tudo que existe, vemos que Deus “disse haja e houve”. É o verbo haver, que é como existir “disse Deus exista e existiu”. Portanto foi pela palavra que o mundo foi criado, e isso confirma o que João diz no evangelho: “todas as coisas foram feitas por intermédio dele (Verbo), e sem ele, nada do que foi feito se fez”. O Verbo “se fez carne e habitou entre nós (…) e vimos a sua glória, glória como unigênito do Pai”. Jesus, o Verbo, a Palavra pela qual Deus criou o mundo, anunciando a criação do ser humano, do pós da terra.
Ao perguntar em minhas redes sociais se as pessoas já usaram a frase “eu dou a minha palavra”, a maioria confirmou que já. Algumas pessoas responderam que essa expressão significa:
- segurança
- verdade
- comprometimento
- fidelidade
- confiança
- credibilidade
- honra
A palavra é para nós, como sociedade, um meio pelo qual firmamos compromissos, comunicamos conhecimento, sustentamos a narrativa da história por séculos, expressamos nosso ser.
Foi exatamente o que Deus fez: ele nos deu algo precioso, confiável, verdadeiro, crível, fiel, comprometido, seguro, honroso. A Palavra de Deus, o Verbo da vida, nos trouxe a existência no princípio e depois, uma vez mais, na cruz, nos deu vida. Por Jesus fomos criados e tudo o que existe e compõe nossa vida, por Jesus recebemos a nova chance, de sermos livres da morte e de ver a redenção de todas as coisas que compõem nossa vida, garantindo eternidade.
Não há maior segurança, nem algo mais confiável do que a realidade e certeza do pra sempre. Jesus torna possível a imortalidade daqueles que entendem o poder da Palavra de Deus, o logos, o Verbo, a Verdade.