Por Carlinha de Paulo

Para que possamos pensar em cuidado de si, é preciso que olhemos para
quem somos à partir de Deus. É importante compreender que somos seres
relacionais a partir de Deus, já que se partimos apenas dos nossos
relacionamentos, corremos o risco de nos vestirmos de capas que nos
escravizam e roubam nossa percepção de realidade e integridade.

Não há como nos conhecermos a não ser a partir do nosso Criador,
aquele que nos concede dignidade por “sermos humanos”. Isso nos leva a nos
despojarmos da performance, da reputação, da busca pela “perfeição” aparente
e nos convida a irmos profundo em nosso próprio ser e a condição em que se
encontra, já que ninguém consegue sustentar uma máscara por muito tempo
sem adoecer.

Precisamos definir a partir de onde construímos nossa existência. Deus,
aquele que é Amor, nos convida a permanecermos nele e, a partir disso,
vivermos abraçando “o lado bom de existir”, mas a verdade é que desde a Queda
(Gn 3:1-13) somos tentados a nos movermos a partir da culpa, da vergonha e
do medo. Isso nos afasta daquele que é a própria vida e que nos nutre com
Graça e Verdade, manifestação perfeita do Amor.

Muitas vezes caminhamos distantes daquele que nos conhece
intimamente e enfrentamos um paradoxo constante: como celebrarmos
genuinamente quem somos, limitados e imperfeitos, com dons e talentos, dignos
e quebrados até que Cristo seja formado plenamente em cada um de nós e
restaure nossa “imagem e semelhança” (Gn 1:26-27)? Como não deixar que a
pressão da sociedade nos esmague e construirmos uma vida de aparências,
totalmente desconectada do nosso Pai e de nós mesmos, marcada pela
superficialidade, aparência e uma armadura que nos fere a cada dia?

O DESAFIO DA LIDERANÇA

Como líderes, enfrentamos o constante desafio de sermos honestos sobre
nossa realidade, assim como Deus convida Adão e Eva a se reconhecerem no
jardim do Éden. Ele, imutável, constante, Santo e todo Amor em sua essência,
nos convida a encararmos nossas mazelas e, a partir disso, nos reconhecermos
como inteiros, ainda que estejamos nos tornando quem somos a cada dia.

É importante que abracemos esse convite à vulnerabilidade e humildade
para que resistamos aos apelos do mundo em que vivemos, que nos chama à
uma perfeição bizarra e inalcançável. O convite é para que aprendamos a nos
retirar dos ruídos que nos ensurdecem e cegam, aplacando nossos maiores
temores de rejeição. Ao fazermos isso, abrimos espaço para que a verdade de
quem somos nos alcance. Sim, somos falhos, temerosos, hesitantes, mas
somos filhos e pertencemos Aquele que nos transforma a cada dia conforme
abrimos espaço para Ele, que nos chama para a vida plena.

É preciso desaceleramos para que possamos aliviar os pesos dos nossos
corações. Isso acontece quando nos deparamos com nossa pequenez e
entendemos que nosso Pai não nos chama a uma vida de penitência, mas de fé,
esperança e amor (I Co 13:13). Diante dessa realidade, podemos manifestar
graça a nós mesmos, fazendo as pazes com nossas mazelas e encarando cada
uma das dores experimentadas em nossos processos.

A VIDA NÃO PARA

Sabemos que a vida não para em meio aos desafios que enfrentamos e
ao abrirmos espaço para sermos quem somos, compartilhando isso a partir de
Deus e com nossos companheiros de jornada, somos revigorados e podemos
viver a partir do Amor que nos acolhe inteiramente, mesmo que seja para dizer
que não há como continuarmos a viver como estamos.

No encontro com Deus e com quem somos, não há porque cedermos a
pressão da aparência, mas nos reconhecemos como seres contraditórios: fracos
e persistentes, covarde e constantes, confusos e obedientes. Somos assim e
não ocultamos a realidade, mas, ao contrário, a abraçamos e celebramos quem
estamos nos tornando a cada dia. A cada nascer do sol somos renovados nele.
A cada nascer do sol, descobrimos mais do “lado bom de existir”.

 

“Da “pra” ver o sol nascer
Da “pra”ver o sol se por
Aproveitar a vida “pra” colher calor
Das flores do campo
Girassóis e gérberas
Aprender o canto do bem-ti-vi e do sabiá
Vai, aproveita o dia
Corre e brinca
Como criança alegrando o pai
Sua herança eternos amor
Vai, aproveita o dia
Corre e brinca
Como criança descobrir
O lado bom de existir
Potros selvagens, indomáveis correndo pelas veias
Convite a liberdade
Se libertando das teias tecidas pelo tempo
Da inércia do espírito
Quebrando o silêncio
Num íntimo grito intuitivo
Vai, aproveita o dia
Corre e brinca
Como criança alegrando o pai
Sua herança eternos amor
Vai, aproveita o dia
Corre e brinca
Como criança descobrir
O lado bom de existir
Um lugar como um jardim particular
Aprender a cuidar, a cultivar
O mundo interior estar em paz (Distler, 2020).

Isso é ser sem medo de existir. Isso é se cuidar.